Um Mestre que foi Autor Pleno de sua Vida
Milhares de judeus eram lúcidos e sensíveis. Eles admiravam e respeitavam profundamente o homem Jesus. Mas havia um grupo de líderes, os fariseus, que o odiavam, tinham aversão ao seu comportamento afetivo e à sua tolerância. Como Jesus era socialmente admirado, eles precisavam ter um forte álibi para condená-lo sem causar uma revolta social. Depois de muito maquinarem, prepararam-lhe uma armadilha psíquica quase insolúvel.
Certa vez, uma mulher foi pega em flagrante adultério. Os fariseus arrastaram-na para um lugar aberto, onde o Mestre dos mestres ensinava uma grande multidão. Interromperam abruptamente sua aula. Colocaram a mulher toda esfolada no centro de sua classe ao ar livre. Sob os olhares espantados dos presentes, eles proclamaram que ela fora pega em adultério e teria de morrer.
Sutilmente, olharam para Jesus e fizeram-lhe uma pergunta fatal: “Qual seria o seu veredito?”. Nunca haviam pedido para Jesus decidir qualquer questão, mas fizeram essa pergunta para incitar a multidão contra ele e para que, assim, ele fosse apedrejado junto com a mulher adúltera. Sabiam que ele discursava sobre a compaixão e o perdão como nenhum poeta jamais discursara. Se ele se colocasse ao lado dela, teriam como justificar a sua morte. Se condenasse a mulher, iria contra si mesmo, contra a fonte do amor sobre a qual discursava. A multidão ficou paralisada. O que você faria se estivesse sob a mira de um revólver? O que pensaria se estivesse em seus últimos segundos de vida? Ou, então, que atitude tomaria se fosse demitido(a) do emprego subitamente? Que reação teria se alguém que você ama muito lhe causasse a maior decepção da vida? Que comportamento teria se tudo o que você mais valoriza estivesse por um fio e corresse o risco de ser perdido subitamente?
Frequentemente, reagimos sem nenhuma lucidez nos momentos de tensão. Dizemos coisas absurdas, incoerentes, ferimos pessoas e nos ferimos. O medo, a raiva, a ansiedade nos impelem a reagir sem pensar. Os instintos controlam nossa inteligência. O Mestre dos mestres da qualidade de vida estava no fio da navalha. O drama da morte o rondava e, o que era pior, poderia destruir todo o seu projeto de vida. Foi nesse clima irracional que Jesus foi cobrado para dar uma resposta. Todos estavam impacientes, agitados, esperando suas palavras. Mas a resposta não veio… Ele não agiu pelo fenômeno bateu-levou. Ele usou a ferramenta do silêncio. Ele nos deu uma grande lição: revelou que, num clima em que ninguém pensa, a melhor resposta é não dar respostas. É procurar a sabedoria do silêncio. Nunca se esqueça disto: seus maiores erros foram cometidos não enquanto você navegava nas calmas águas da emoção, mas enquanto atravessava os vales da ansiedade. Nesses momentos é que dizemos palavras que nunca deveriam ser ditas. Jesus voltou-se para dentro de si, dominou sua tensão, preservou-se do medo, abriu as janelas da memória. Foi autor da sua história num momento em que qualquer psiquiatra seria vítima. Pelo fato de ter resgatado a liderança do Eu, teve uma atitude inesperada naquele clima aterrorizante: começou a escrever na areia. Era de esperar tudo, menos esse comportamento. Seus opositores ficaram perplexos. Mas ele era livre para escrever ideias em situações em que só era possível entrar em pânico, gritar, fugir.
Seus gestos fascinantes e serenos deixam abismada a psicologia. Seus gestos desarmaram seus inimigos. O foco de tensão foi pouco a pouco dissipado. Eles começaram a sair da esfera instintiva, do desejo de matar, para a esfera da razão. Desse modo, como um artesão da inteligência, o Mestre dos mestres preparou o terreno da inteligência deles para um golpe fatal. Um golpe que os libertaria do cárcere intelectual. Golpeou-os com uma lucidez impressionante. Disse-lhes: “Aquele que dentre vós estiver sem erros, falhas e injustiças seja o primeiro a atirar uma pedra!”. Jesus fez uma engenharia intelectual que eles não perceberam, pois envolveu processos inconscientes. Ao olharem para o espelho de sua alma antes de condenar a mulher, eles exerceram uma das mais importantes funções da inteligência: colocar-se no lugar dos outros. Assim, tornaram-se autores de sua história, pelo menos momentaneamente. Mergulharam dentro de si, viram suas fragilidades, reconheceram sua injustiça. Desse modo, saíram da plateia, entraram no palco da mente e deixaram de ser vítimas do próprio preconceito. Dominaram temporariamente a agressividade e saíram de cena, não a mataram.
Provavelmente, foi a primeira vez na História que linchadores, sob o controle do ódio, fizeram uma ponte entre o instinto e a razão, saíram da agressividade cega para o oásis da serenidade.
Se a humanidade vivesse 10% das ferramentas e dos princípios sobre os quais o Mestre dos mestres discursou eloquentemente, as guerras, a violência, as discriminações, os conflitos psíquicos e as crises sociais estariam nas páginas dos dicionários, e não nas páginas das nossas vidas. A qualidade de vida, a saúde emocional, e o desenvolvimento da inteligência dariam um salto sem precedentes. Os povos tem admirado Jesus ao longo dos séculos, mas não têm respirado suas palavras e recitado suas poesias.
– Trecho extraído do livro: Lidere sua Mente – Augusto Cury