Certo dia, uma menina se aproximou da avó e carinhosamente perguntou:

– Vó, por que as pessoas sofrem?

Ela, sem entender direito, como que pedindo uma confirmação do que acabara de ouvir, retrucou:

– Como é que é?

– Por que as “pessoas grandes” vivem bravas, irritadas, sempre preocupadas com alguma coisa?

– Bem, minha filha, muitas vezes porque elas foram ensinadas a viver assim.

Ambas permanecerem em um desconcertante silêncio, até que a garotinha começou:

– Vó…

– Oi…

– Como é que as pessoas podem ser ensinadas a viver mal? Não consigo entender.

– É que elas não percebem que foram ensinadas a ser infelizes, e não conseguem mudar o que as torna assim. Você não está entendendo, não é, meu amor?

– Não, Vovó.

– Você lembra da historinha do Patinho Feio?

– Lembro.

– Então, o Patinho se considerava feio porque era diferente de todo mundo. Isso o deixava muito infeliz e perturbado, tão infeliz que um dia ele resolveu ir embora viver sozinho. Só que o lago que ele procurou para nadar tinha congelado, e estava muito frio. Quando ele olhou para seu reflexo no lago, percebeu que ele era, na verdade, um maravilhoso cisne. E assim se juntou aos seus iguais e viveu feliz para sempre.

Ela permaneceu em silêncio enquanto pensava, e questionou:

– O que isso tem a ver com a tristeza das pessoas?

– Bem, quando nascemos, somos separados de nossa “natureza-cisne”. Ficamos como patinhos, tentando caber no que os outros dizem que está certo. Então passamos muito tempo tentando virar patos.

– É por isso que as pessoas grandes estão sempre irritadas?

– Isso! Viu como você é esperta?

– Então é só a gente perceber que somos cisnes que tudo dá certo?

A avó engasgou, não sabia como dar continuidade ao sábio diálogo…

– O que foi, vovó?

– Na verdade, minha filha, encontrar o nosso verdadeiro espelho não é tão fácil assim. Você lembra o que o patinho precisava fazer para se enxergar?

– O que?

– Ele primeiro precisava parar de tentar ser um pato. Isso significa parar de tentar ser quem a gente não é. Depois, ele aceitou ficar um tempo sozinho para se encontrar.

– Por isso ele passou muito frio, não é, vovó?

– Passou frio e ficou sozinho no inverno.

– Por isso que o papai anda tão sozinho e bravo?

– Como é, minha filha?

– Meu pai está sempre bravo, sempre quieto com a música e a televisão dele. Outro dia ele estava chorando no banheiro…

A sábia avó emudeceu durante algum tempo. Pensou consiga mesma que havia algo de errado com as crianças de hoje, sempre querendo saber mais…

– Vó, o papai é um cisne que pensa que é um pato?

– Todos nós somos, querida.

– Ele vai descobrir quem ele é, de verdade?

– Vai, minha filha, vai. Mas, quando estamos no inverno, não podemos desistir, nem esperar que o espelho venha até nós. Temos que procurar ajuda até encontrarmos.

– E aí viramos cisnes?

– Nós já somos cisnes. Apenas deixamos que o cisne venha para fora, e tenha espaço para viver.

A menina deu um pulo da cadeira, com uma expressão serena na face, como se houvesse encontrado a solução para todos os problemas que conhecia.

– Aonde você vai? – a avó perguntou, ainda assustada com a rápida reação da neta.

– Vou contar para o papai, o cisne bonito que ele é.

Marco Antônio Spinelli